quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

6. Meu malvado favorito

Livremente inspirado nesse blog genial aqui

Se eu fosse contar a história da minha vida, seria através dos amores que eu tive”. Quem disse isso foi Mônica Martelli, em “Os Homens são de Marte e é pra lá que eu vou. Como não tive todos esses amores, vou me permitir parafrasear esse trecho, que tanto amo: Se eu fosse contar a história da minha vida, seria através dos professores que eu tive.

Pensei que tinha que dar essa explicação porque esse é apenas o sexto post que escrevo pra a série 1001 pessoas que conheci antes do fim do mundo e já é o segundo professor que eu cito.

Quando eu era criança eu achava que era muito tranquilo fazer amizade com qualquer tipo de pessoa. Foi assim que eu cresci achando totalmente natural gostar de bater-papo com meus professores, o que sempre foi facilitado já que passei 80% da minha vida de estudante sendo nerd e sentando na carteira que ficava colada na mesa do professor. Acho que professor, aquele que realmente nasce pra isso, é um ser fascinante. Aí eu me lembrei dele.

Eu acho que fui ginasta em outra vida. Só isso deve explicar uma criança de 4 anos que sonhava em fazer ginástica olímpica. Acho que se eu perguntar pra minha prima de 5 o que é ginástica olímpica ela não vai saber. Mas eu sabia muito bem, e queria ser uma delas. Minha primeira experiência, em Vitória, foi traumática. A mulher, que me recuso a chamar de professora, sentou nas minhas costas na primeira semana de aula para forçar uma abertura de espacato. Não, né, gente?

Aí me mudei pra São Paulo e logo no início das aulas passaram uma folhinha enumerando todos os curso extra-curriculares que a escola oferecia. Ginástica Olímpica estava lá e brilhou em neon bem no meio da minha cara. Acho que fui a primeira a me matricular, e talvez a primeira da história da escola.

Quando chegamos na quadra para o primeiro dia, devíamos ser um grupo de 6 ou 7, sentamos no chão, na frente de um colchonete muito do esquisito, e ouvimos o professor falar que era a primeira vez que tinha ginástica olímpica na escola. Que ele iria tentar emplacar.

Olhando de fora, pode parecer piada. Um professor, uns colchonetes e um grupo de meninas do ensino fundamental querendo emplacar alguma coisa. Não sei direito o que aconteceu no meio desse caminho, só sei que aconteceu, porque 4 anos depois, quando fui obrigada pelo meu médico a sair, já éramos muitos e tínhamos muitos, muitos colchões apropriados e cama elástica.

Mas isso não é sobre a ginástica olímpica. É sobre o Carlos. O cara que conseguiu tudo isso. O cara que ensinou a gente que “cambalhota” na verdade se chamava “rolamento frontal”, e que um dia a gente poderia fazer aquilo no ar, se quisesse.

Ele era muito rígido. Leia-se no popular infantil: bravo. Muito bravo. “Professor, tô com dor na perna” alguém dizia. E logo vinha a resposta: “Sinal de que você tem perna, continue”. Pode parecer o mesmo abuso que a mulher de Vitória fazia, mas eu juro que não. Porque o Carlos tinha o dom. E o dom é toda a diferença. Ele sempre sabia de tudo. Ele sabia quando doía de verdade. Sabia quando a gente precisava parar. Sabia quando a gente estava de corpo mole ou quando realmente não conseguia fazer. Ele não respeitava preguiça, mas respeitava medo: ficou quase 1 ano segurando as minhas costas para eu fazer reversão para trás. Ele sabia que eu sabia, mas entendia totalmente o meu medo de errar e cair de cabeça no chão. Aprendi a fazer reversão para trás com o Carlos como quem aprende com o pai a andar de bicicleta: achei que ele estava com a mão ali, e quando terminei, vi que ele estava sorrindo, com as mãos para o alto. “Eu fiz sozinha, professor? Sem cair?” “Você já sabe fazer tem tempo, Aninha, tem tempo!”.

O malvado favorito da minha história dava muita, mas muita bronca na gente. Brincava dizendo que queria que fôssemos perfeitas, mas o que ele queria mesmo dizer era que devíamos dar tudo de nós. Foi assim que ele conseguiu emplacar a ginástica olímpica na escola; conseguiu que fôssemos levadas a sério.

Esse professor, tão ogro que era, sentava no fim da aula para nos propor desenhos de collaints para nossas apresentações. Dizia para a direção da escola que merecíamos uma cama elástica nova. Nos ensinou o que era democracia e justiça quando sentou para conversar conosco e avisou que éramos em 22 e só 20 poderiam ir ao festival de ginástica da outra escola: “Todas vocês vão ensaiar uma série de movimentos. Daqui a duas aulas todas apresentarão essa mesma série e em seguida, vocês darão notas umas para as outras. As duas que tiverem as menores notas finais não poderão ir”. Pode parecer até piada, mas nunca antes na história da minha existência eu tinha me preocupado tanto em não dar notas baseadas em amizade, e todas pensaram da mesma forma. O professor tinha nos dado esse poder porque confiava na gente e grandes poderes exigem grandes responsabilidades. Estava nas nossas mãos, e teríamos que ser realmente justas. Reafirmo essa lembrança quando me recordo que a Bruna não foi para o festival – e ela era cheia de amigas.

O Carlos estava ali para nos ensinar ginástica olímpica, mas ensinou muito mais que isso. Ensinou que determinação, dedicação, ética e responsabilidade fazem de qualquer pessoa um grande ser humano e às vezes, quem sabe, um grande ginasta também. Não o vejo há 11 anos. Fico pensando no tanto de pessoas que ele já construiu desde então. Construir pessoas. Muito mais que apenas instruir. Construir pessoas é o tipo de coisa que só um professor de verdade é capaz de fazer.

19 comentários:

  1. Que maravilhoso, amiga. Eu tenho muita admiração pela maioria dos professores, mas principalmente por aqueles que a gente sente que nasceram pra formar pessoas. Tem gente que simplesmente tem o dom e isso é lindo demais. Tomara que o Carlos tenha a oportunidade de ensinar muitas e muitas pessoas pessoas por aí, e que essas pessoas consigam aprender tudo o que ele tem pra ensinar.

    Te amo <3

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  2. Nunca fui nerd, ou de sentar na mesa colado aos professores, ao contrario sempre acreditei que quem senta colado na mesa do professor é puxa saco. Mas enfim, sempre tem alguns professores que marcam a gente. A minha professora de português do ensino médio é a mais atual que eu me lembro bem, ela era meio ranzinza mas era para o nosso bem, até hoje eu lembro da música com as preposições que ela ensinou.
    Seu texto veio com um gostinho de infância pra mim, eu também fiz ginástica olímpica, sou doida pra voltar a fazer, mas não da. E meu sonho é conseguir fazer reversão, até agora nada. São esses professores que nos fazem ter fé na humanidade, por que eles sim formam pessoas.
    Bjs!

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  3. Li esse post inteiro sorrindo e desejando (não mais) secretamente ser um Carlos na vida de uma Bananinha. Ou de 22. Deus queira que eu consiga construir muitas pessoas incríveis - e que elas possam me construir um pouquinho como profissional também. Acho que Carlos deveria ler esse post, é tão bom saber que a gente marcou a vida de alguém ;)

    Beijo, Banana dos Santos hahahaha
    <3

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  4. Que coisa mais linda é essa que acabei de ler? Mas menina, li tudo com um sorrisão besta na cara lembrando quando eu fiz aula de ginástica olímpica e a professora dizia a mesma coisa "Ta doendo a perna? Sinal de que tem perna". Única habilidade que me restou da época foi dar estrelinha, bateu saudades hahahah
    Não tem nem palavras pra descrever esse projeto 1001 pessoas, cada texto é um abraço (e só agora tomei vergonha na cara pra comentar em um, mas é que esse me atingiu em cheio <3).

    Beijo!

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  5. Minha vida também pode ser contada pelos professores que tive, principalmente aqueles que me inspiraram e me guiaram até aqui onde estou: ensinando.
    Espero ter esse dom, espero estar construindo pessoas. :)
    Beijos! Te amo. <3

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  6. Amiga, que engraçado isso. Todos os meus professores favoritos sempre tiveram esse perfil de "malvado favorito" Rígidos, exigentes, meio bravos às vezes, mas compreensivos quando era hora de ser assim, ótimos no que ensinavam e melhores ainda na hora de formar gente de verdade, e não só alunos bons em matemática, física ou, sei lá, ginástica olímpica (sdds, nunca me incentivaram a fazer porque eu era muito alta #traumas). É de gente assim que as escolas e os xovens precisam pra se transformar no mundo melhor que a gente tanto espera no futuro, né?
    Beijos <3
    te amo!

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  7. amiga, estou lendo esse relato emocionada, sabia? Dá um gás por ter escolhido essa profissão. Eu lembro que escolhi jornalismo porque queria mudar o mundo e acabei caindo na docência pela mesma razão - só que o trabalho é de formiguinha e a gente vê o mundo dos nossos alunos mudar. Tenho certeza que o Carlos não se esquece desse grupo de meninas. Tenho certeza que essa sua experiência foi incrível e que todas as meninas que fizeram parte dela nunca vão se esquecer.
    Faz mais relatos assim, vai? Faz do simples, extraordinário!

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  8. Adoro essa série! Minha vida também seria contada por professores. Nossa, eles influenciaram muito na construção no meu caráter e ainda me ajudaram demais com questões até pessoais.
    Adorei.

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  9. Analu, que post mais amor! Eu sempre fui nerd também, então eu sempre me senti bem apegada e admirada por muitos dos professores que passaram pela minha vida - eles foram muito importantes pra me incentivar a seguir em frente e acreditar mais no meu próprio potencial.
    Os malvados favoritos foram, várias vezes, realmente favoritos. Às vezes todo mundo odiava. Mas ser rígido não é ser ruim, né? Prefiro mil vezes um malvado que nos faça crescer, que ajude a construir pessoas melhores (como você disse muito bem) do que um amigonzinho da turma que... né?

    Beijo!
    PS: que layout lindo! Amei a vibe Taytay-1989 dele! Resolvi comentar aqui mesmo, ao invés de falar no post passado, mas, sim, attraversiamo :)

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  10. Nossa, que amor. ;_; Queria ter tido um professor assim, mas quando fazia ballet/dança, a professora não se importava de verdade conosco, só queria que dançassemos bem. Entendo ela, porque o trabalho dela era justamente nos fazer dançar, mas como você mesma disse, ela não saberia construir pessoas.

    Beijos ;*

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  11. Que bom que você teve um professor marcante. Os melhores professores são aqueles que nos ajudaram a ser melhores de alguma forma. Agora você vê que toda a bronca, todo o esforço, todo o grito e todo o choro valeu a pena, e formou quem você é hoje. Grande abraço.

    http://www.jj-jovemjornalista.com/

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  12. Cara, me emocionei com esse texto. Talvez por lembrar dos professores ou professoras incríveis que eu tive, ou por ter decidido me tornar professora, não sei, só sei que emocionei. Tem sempre aquele que fica marcado na tua vida que pra bem ou não, você vai sempre se lembrar dele e dos seus ensinamentos.

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  13. Belíssimo. Emocionante.
    E a escrita cada vez mais aprimorada, com textos gostosos de ler.
    beijo

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  14. Que texto, Analu!
    Me emocionei. Lindo! Realmente, se eu também fosse contar a minha história, seria através dos professores que tive.

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  15. Faço das suas palavras as minhas, Analu! Das pessoas que conheci e conheço, as melhores estavam na sala de aula, me ensinando muito mais do que o programa cobrava.
    Quando fiz Ginástica era pouco mais velha que você, e também passei por duas professoras: a primeira era feito uma tia pra mim, toda simpática e cuidadosa, porém firme; a segunda se transformou num pesadelo, dessas que também sentava nas nossas costas e forçava MUITO MAIS do que a gente bancava, não porque sabia que era preguiça, mas porque não tinha a menor consideração com as nossas virilhas. Conclusão: abandonei. Passei para o teatro (onde encontrei tanto uma professora maravilhosa, quanto uma paixão linda que é essa arte) e não me arrependo nada.
    Enfim, adorei o post. Bateu forte em mim, como acontece na maior parte das vezes que venho aqui, ahahaha. Beijo grande!

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  16. Amiga,
    Eu também sempre fui de sentar na cadeira grudada à mesa do professor, e por isso, sempre tive facilidade em me comunicar com eles e montar ~laços~ (sem piadinhas infames, por favor). Um dos meus favoritos, de Literatura, também fazia a linha Meu Malvado Favorito, mas era um daqueles que, no fundo, têm um coração do tamanho do mundo. Uma vez, ele ficou sentado comigo por quase uma hora, enquanto eu chorava desesperada com o vestibular. Nunca vou esquecer daquele dia. <3

    Que bom que gente assim existe pra construir gente, mesmo. São pessoas extremamente necessárias.

    P.S. Amei esse projeto, percebi a Anna postando também. Talvez eu entre nesse barco #creiça.

    Te amo! Beijos

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  17. Amiga, me perdoa por não ter mimado o vídeo - prometo que volto aqui e mimo depois!
    Fui pega de surpresa lendo esse texto, porque sou MEGA DESENGONÇADA, nunca consegui plantar bananeira na vida (fora da piscina, risos), nem dar cambalhota, mas sonhava em fazer ginástica olímpica! Hahahah! Eu amarrava uma fita num pauzinho e ficava muito louca achando que tava fazendo altas acrobacias. Amo a gente por ter tido essa pilha igual!

    Tinha ginástica olímpica no meu colégio, mas eu já era muito velha/grande. Eu sempre fui a mais alta da sala :( Tive que me contentar no balé, que a professora também sentou nas minhas costas para eu fazer esparcate NA PRIMEIRA AULA! Seria a mesma?

    Bom, enchi você de abobrinha, mas agora: amei o texto. Você arrasa. Não sei se comentei algum dos posts anteriores sobre esse seu projeto lindo com a Anna (vou tentar entrar, pode tentar? Num futuro próximo?), mas você escreve BEM DEMAIS, meu Deus, que orgulho de ser sua amiga!

    Adorei o Carlos, e agora quero achar que ele me ensinou ginástica olímpica também, mesmo eu sendo grande, pode?

    Beijo, te amo!

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  18. Analu, tô aqui há horas com essa página aberta e não sei o que escrever, Que texto incrível, como você escreve bem! Suas palavras nos carregam no colo e nos levam ao ginásio, de expectores de sua aula.

    Como é bom ter tido oportunidade de conhecer pessoas que modificam a nossa vida, como o Carlos. Como é bom te ver grata assim por ter sido construída de certa forma pelos ensinamentos dele.

    Mal posso esperar pela próxima pessoa que mudou sua vida, nesse projeto lindo.

    Beijão. ♥

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  19. Esse texto me emocionou muito. Também tive meu malvado favorito, meu professor de ciências, depois química, depois biologia. Seu texto me lembrou muito dele. Que maravilhoso termos a oportunidade de sermos construídas também por essas pessoas incríveis. ♥

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