sexta-feira, 10 de abril de 2015

Sobre ciúmes, projeções, aprendizados e a vida

Dizem por aí que os outros, ah, os outros, além de serem nosso inferno (há controvérsias) são também o nosso espelho. Aquela velha história de que tudo o que nos irrita nas pessoas, na verdade, nos irrita em nós mesmos.

Vocês já conhecem a minha melhor amiga, mas vou fazer uma breve apresentação para situar algum possível leitor novato: o nome dela é Anna Beatriz e ela vai fazer 6 anos daqui há 16 dias.

Eu e Anna temos uma relação de outras vidas, só pode ser. Bastou ela nascer em Curitiba para a minha vida tratar de mudar de rumo e me enfiar aqui nessa cidade gelada também (eu morava em São Paulo). Aos 4 meses ela deitou no meu ombro e dormiu, quando tinha menos de 3 horas que nos conhecíamos. Aos 10 meses ela me chamava de “Lu” e sorria quando eu chegava. Com 1 ano ela pedia para que eu beijasse seu “pizinho” na hora do banho. Aos 2 ela disse que me amava. Aos 4 ela disse, na frente da mãe dela, que preferia que eu fosse sua mãe. Sorte que a Cínthia é parceiríssima e morreu de rir da história. Sorte a minha que ela não entende que se eu fosse a mãe eu não seria tão legal, afinal ser a prima é muito mais fácil e divertido.

Anna vai fazer 6 anos e, como todo ser humano que se preze é cheinha de qualidades e defeitos. Ela é linda, inteligente, espirituosa, engraçada e carinhosa. É mandona e ciumenta na mesma proporção. Outro dia estávamos eu, ela, meu afilhado e a mãe dele na sala. Ela queria que eu jogasse com ela no IPad e eu já tinha escolhido a cor para a cobertura do bolo que ela estava fazendo, mas o Ricardo estava com bochechas irresistíveis e sua mãe me entregava o convite de seu aniversário de 2 aninhos. Enquanto a conversa rolava, Anna me puxava pelo braço e queria que eu só jogasse com ela e esquecesse o resto do mundo. Fiquei na casa do meu tio por mais ou menos 2 horas. Ela fez bico ali e não quis mas falar comigo porque quando me quis só pra ela eu queria dar atenção para outras pessoas.

Confesso o ato-falho: dei risada. Dei uns beijos nela, achei engraçado o bico que ela fez e quando ela insistiu na recusa de olhar na minha cara eu disse que a vida não era assim. Que as pessoas não eram só nossas e que elas não nos amam menos por dividirem a atenção.

Que engraçado. Estava relendo esse post maravilhoso da Julia e senti um tapa lindo sendo dado no meio da minha cara. Nós, adultos, temos realmente mania de aceitar nossos defeitos como algo já emplacado: somos assim e pronto, não dá mais tempo de mudar. Ao mesmo tempo, cobramos das crianças que aprendam rapidamente sobre todos esses processos, afinal de contas, elas estão na fase de aprender e tem mais é que aproveitar para registrar tudo de uma vez.

Eu, do alto dos meus quase 23, fiquei irritada com uma criança de 5 anos que me queria só para ela e disse que ela precisava entender que a vida não era assim. Seria cômico se não fosse trágico eu lembrar a mim mesma o fato de que eu, novamente reiterando, do alto dos meus 23, não aprendi ainda como lidar com o fato de não ser sempre a pessoa favorita - e muito provavelmente não esteja nem perto de receber esse diploma.

O ciúme da Anna só me irritou porque eu sou exatamente assim e a gente não gosta de enxergar no outro que nossos próprios defeitos são insuportáveis. Não queria que o bico da Anna me lembrasse que eu fico emburrada quando penso que minhas amigas conversam em janelas privadas entre elas e eu não estou presente em todos os dramas. Fico pra morrer quando as pessoas começam a conversar de um assunto que eu não entendo. Resolvi que não ia mais dar trela para o meu primo só porque ele, aparentemente, prefere a companhia da minha irmã. Odeio quando estou conversando com alguém e esse alguém demora para me responder, seja por whatsapp ou na mesa do jantar.

Acontece que eu já saí das fraldas há muito mais tempo que a Anna e não posso cruzar os braços e fazer bico – vão achar que eu sou maluca, e talvez eu realmente seja. Se eu falasse tudo o que eu penso quando estou com ciúmes eu perderia metade das amigas, todos os colegas, boa parte da família e quem sabe até entregaria o meu primo de vez pra minha irmã, que é muito mais leve emocionalmente e não está nem aí para o detalhe de com quem ele vai passar a noite conversando. É complicado.

Anna, eu te entendo. O mundo já é difícil demais e às vezes tudo o que a gente quer é ser a pessoa mais especial do momento pra quem é tão especial para a gente. Amor a gente multiplica ao invés de dividir, mas tempo e atenção a gente divide mesmo, infelizmente. Às vezes a gente ganha muito, às vezes não e é isso aí, bola pra frente, a gente faz um bico, guarda umas chateações e segue com a vida porque é assim que a banda toca, afinal de contas. Se você aprender, aos 6, que é assim, talvez sua vida adulta te doa um pouquinho menos. Mas talvez não, também. O fato é que eu fiquei irritada porque você não queria entender, mas hoje lembrei que nem eu entendi ainda – e que foi exatamente por isso que me irritei. Minha flor, não se engane e não deixe o mundo te enganar: não são as crianças que tem a obrigação de dar conta de tudo e aprender as coisas o tempo todo. Adulto também aprende e Deus sabe o tanto de coisas que você me ensina todo dia. Obrigada, meu amor. Me desculpa, também. E tamo junto!

9 comentários:

  1. Concordo quando você diz que o mundo tá difícil mas, as pessoas (me incluo!) não fazem nada para que as relações sociais sejam melhores... Sorte a sua prima e "melhor amiga" ter alguém além dos pais de ser um figura de referência. Sua prima demonstrou com "Ciume" a importância da relação de vocês duas mas, ela é muito novinha e com o passar do tempo esse ciume tende a diminuir...

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  2. Te entendo Ana, ciúme é um treco horrível, meu ciúme é seletivo? Mas não deixa de ser ciúme e me deixar me roendo por dentro quando não me encaixo e me sinto deixada de lado. Essa é mais uma daquelas verdades que quase ninguém diz por ser tão verdade e por não ser nem um pouco legal... Invejo esse povo que não sente ciúme, queria ser mais desprendida. E acho importante a gente ensinar isso mesmo não tendo assimilado a lição nós mesmo, senão vai ter muita criança que vai virar adulto e vai continuar fazendo birra... Eu que nem me considero adulta já vi gente com quase 50 anos fazendo patifaria por causa de ciúme que é foda... Acho também que o importante é a gente ter essa auto-consciência e tentar se reeducar, por mais difícil que seja.
    E tem sempre o exercício da paciência né?

    Beijo!

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  3. No comecinho do que tu escreveu tem isso de o que nos incomoda no outro é o que nos incomoda em nós mesmos. A gente fala isso, mas nem sempre tem consciência ou não quer admitir que tem. Na maioria das vezes não agimos de acordo com o que falamos ou pensamos e é até natural, porque se a gente for parar pra pensar direitinho são só estalos de pensamento (e é complicado preservá-los como valores concretos), é quando a consciência do que queremos que seja feito entra em confronto com o que, de fato, fazemos. "Mas que hipócrita". Somos todos, em níveis diferentes. Por isso é sempre legal tá pensando em si mesmo como mutável...Gosto demais do teu blog. Um beijo!

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  4. Aprender com criança é maravilhoso!

    Dói quando comentam conosco dos nossos defeitos também né? É um soco no estômago! Mas meu maior medo é me tornar uma adulta de cabeça dura que permanece no mesmo defeito irritante de sempre.

    Ser lembradas dos nossos defeitos, seja por uma criança sem qualquer pretensão de fazer isso, ou seja por um amigo carregado de pretensão de nos lembrar mesmo, é bom no final pra gente ter sempre a chance de tentar mudar.

    Beijos!

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  5. Amiga, acho sempre curioso ler sobre ciúmes, porque é aprender sobre um sentimento que eu desconheço totalmente. Claro que já senti ciúmes na vida, mas não sou uma pessoa ciumenta e acho que existe uma enorme diferença entre os dois. Apesar de não conhecer muito os efeitos do ciúmes, sei um bocado sobre ver seus defeitos projetados nos outros e o tanto que isso incomoda. Sei lá, eu e meu pai, por exemplo. A gente bate muito de frente, e vira e mexe eu me vejo reclamando de algumas coisas que ele faz e minha mãe vem me dizer que eu sou idêntica a ele. Do mesmo jeito que meu pai tem horror a certos comportamentos do meu avô, sem perceber que ele os reproduz, às vezes até de um jeito pior. A gente sempre leva um susto quando olha no espelho, que só aumenta quando do outro lado tem uma criança, porque né, o primeiro instinto é usar da nossa arrogância e cobrar dela algo que levamos anos pra aprender, ou que nem aprendemos ainda. Paciência. Pelo menos a gente aprende. Uma hora a gente aprende.
    beijos <3
    te amo!

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  6. Essa é uma coisa que sempre me incomoda nas pessoas adultas. "Sou assim e pronto, me aceita". Olha, parça, acho que discurso de aceitação não pode servir pra você não tentar melhorar como pessoa.
    E crianças, ah, essas delícias. Elas vivem evidenciando nossas fraquezas. E sabe, nem precisa ser ciumento pra querer ser a pessoa mais legal do rolê. A gente quer ser especial o tempo todo e sabemos bem que só dá pra ser especial pelos olhos de outra pessoa, né? Mas aprendemos a deixar a coisa acontecer e a ser legal só por ser e aceitar o amor que a gente recebe. Na proporção exata. E que, no fundo, é suficiente.
    O meu, por exemplo, é bastante. <3
    Beijo!

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  7. Amiga, vim aqui correndo te mimar, porque é um despautério ler e não mimar, né?

    Eu sou muito insegura, mas não sei se é a mesma coisa que ser muito ciumenta. Eu sinto ciúmes, mas nas situações da vida, acho que sinto mais raiva, sabe? O que é muito pior, pensando bem. Sei lá. Tom disse que o ciúme é perfume do amor, e amo tanto essa música!

    Fico sonhando com o dia que a Anna vai crescer e ler tudo isso!

    (Senti um segundo de ciúmes porque achei que você era a BFF da chicória! Hahahahahahahaha, amo a gente)

    Te amo!

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  8. Ai amiga, eu te entendo tanto. Claro, como boa aluna da escola Analu de ciúme, eu me mordo inteira diversas vezes por dia, mas to aprendendo a controlar isso. To aprendendo que ciúme é uma coisa muito forte, que essa coisa de querer ser a favorita ou de querer ter a pessoa só pra si é um pouco (ou muito) irracional. Mas vamos aos poucos, né! Um dia chegamos nessa elevação espiritual. Hahaha
    Te amo! <3

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  9. "Se eu falasse tudo o que eu penso quando estou com ciúmes eu perderia metade das amigas, todos os colegas, boa parte da família!" Me identifiquei tanto com esse texto, com essa frase....
    Sou um ser muito ciumento e quase sempre me sinto deslocada com as pessoas. Na família é a mesma coisa pois sempre fui a mais quietinha e, na verdade, as pessoas preferem as mais malucas (como minha irmã, por exemplo). O fato é que é tão difícil lidar com esse tipo de sentimento né? E a gnete sofre muito por isso. Tomara que Anna aprenda, com o tempo, a não ficar tão aborrecida com essas coisas.
    Outro dia minha afilhada de 4 anos chegou da escola aos prantos porque "a minha amiga Ysmim não quis brincar comigo e brincou com outra menina da escola"! Quase chorei junto ao perceber que, infelizmente, ela vai sofrer igualzinho a madrinha dela quando era criança! Porque eu já sofria disso desde criança também! Ô vida cruel!

    Te amo! Beijos

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